O ano não poderia acabar sem que nós recebêssemos mais um “chamado” do Planeta Leucemia. Os vírus pairaram mais uma vez sobre a Rua Faro e a Bel ficou de cama domingo, gripadíssima, com muita febre, que lhe rendeu uma esticada de descanso forçado ainda na segunda. A solução foi tirar as pequenas de casa o máximo possível, tarefa que coube ao papai no domingo e na segunda com a grande ajuda da nossa querida Tia Lulú. Tudo muito bom até que na segunda-feira à noite percebêssemos a Bela mais quentinha: 37,8° C e estados de alerta todos ligados. Ligações para os médicos, checagem se o hospital tinha quartos, malas sendo arrumadas e ficamos tirando a temperatura a cada meia hora, dentro do protocolo que temos acertado com os médicos. Passou de 38° C entra com antitérmico e vai para o hospital para fazer um hemograma para checar as defesas. Aguarda o resultado e inicia-se com um antibiótico, caso as defesas estejam baixas, como sempre tentando “correr para o bicho não pegar”.
Como não poderia ser simples e o ano não poderia acabar de forma fácil, os 38,5° chegaram por volta de 1:30 da manhã e fomos nós fazermos uma visita de final de ano ao Copa D’Or com malas, que mais pareciam uma mudança, que de fato poderia ocorrer. Ligação para a Vovó Cecília, para que pudesse estar cedo aqui em casa, para que a Nana acordasse e sentisse menos a nossa falta. Hospital dormindo, tranqüilo, burocracias de rotina e optamos por fazer apenas a picada do hemograma e não deixar um acesso venoso pronto, que sempre é mais desconfortável. Resultados relativamente rápidos e para a nossa surpresa relativamente bons, com taxas que nos diziam termos defesas suficientes para que o seu organismo pudesse combater por conta própria os invasores que anunciavam sua chegada. Volta para casa por volta de 3:30 da manhã e para um misto de desespero e muita alegria, nossa baixinha ligadona, querendo comer “pitizza”. Resumo da ópera, conseguimos colocá-la para dormir novamente por volta de 5 da manhã, tendo uma terça-feira com um misto de ressaca pela noite de sono entrecortado e o descanso pedido pelo seu corpo, para se defender. Graças a Deus não teve mais febre.
Mas o que poderia ter sido esse ano de 2008 para a gente? Pegando um gancho no questionário que a Anne postou, pensamos: O que eu aprendi? O que/ quem eu perdoei ? O que me fez sentir raiva? O que eu conquistei? O que eu perdi ? Qdo eu fui mais feliz ? O que me deixou triste ? O que eu mudei ? Do que me orgulhei? Qual meu maior erro?
O que nós aprendemos?
O que nós aprendemos?
A valorizar ainda mais a vida e seus pequenos detalhes. Aprendemos a sermos mais tolerantes, mais pacientes, mais calmos. Aprendemos a ouvir mais, perguntar muito mais ainda e questionar sempre, até que tivéssemos uma resposta que pudesse atender às nossas mentes cartesianas. Aprendemos a estarmos em um lugar só, tanto fisicamente como mentalmente. Se era com a Bela no hospital, foco total nos horários, nas rotinas, nos remédios etc. Se era com a Nana na piscina do clube, foco na Nana, nas suas demandas, nos permitindo no máximo uma rápida espichada de olho para o Cristo Redentor e pedir pela Bela e pelo outro de nós que estava com a Bela no hospital.
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Aprendemos que em momentos delicados de crise, se alguém não é parte da solução, passa a fazer parte do problema. Aprendemos a sermos mais sensíveis ao sofrimento dos outros. Aprendemos a saber o que realmente é um problema, quando muitos nós inventamos, pois verdadeiramente não são. Tudo ficou bem mais relativo...
Ah! Muito importante, aprendemos a tirar os sapatos sempre que chegamos em casa e lavar também as mãos, de tempos em tempos, um hábito salutar e não obsessivo, imposto inicialmente pelas regras para assegurar a proteção da Bela com defesas baixas.
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O que/ quem nós perdoamos?
O que/ quem nós perdoamos?
Alguns poucos. Perdoamos reações que não eram apropriadas para os momentos que vivemos, nos gerando uma carga emocional a mais que não era o momento adequado para suportarmos, mas tivemos também mais uma aprendizado que não pode se exigir mais do que as pessoas podem dar. Conseguimos nos manter serenos e focados boa parte do tempo e não seria justo exigir essa mesma calma a muitos dos que nos cercaram proximamente.
Não conseguimos perdoar a falta de humildade, o reconhecimento de um erro, quando o assunto era vida, na relação do atendimento médico/saúde. Houve alguns casos de erros, salvos à tempo pela nossa presença constante com a Bela, mas o não reconhecimento, desculpas esfarrapadas ou evasivas foram imperdoáveis.
Até mesmo Deus foi questionado e depois perdoado.
O que nos fez sentir raiva?
Talvez até ódio? Dizem que a indiferença é o contrário do amor, pois o ódio, por mais que não seja um sentimento bom, é um sentimento que você tem por alguma pessoa. Os momentos imperdoáveis nos fizeram sentir mais do que raiva e fomos até o final, exigindo que o profissional com o binômio falta de competência e falta de humildade fosse retirado do nosso convívio pessoal-profissional. Foram poucos, apenas 2 em quase um ano.
O que nós conquistamos?
Primeiro, sem dúvida, a vida da Bela. Uma conquista diária, de migalhinhas. Um dia melhor do que o outro. Hoje melhor do que ontem, pior do que anteontem. Foi assim que vivemos, à base do conta-gotas. Conquistamos também mais sabedoria, mais força interior, mais união, mais equilíbrio, pelas diversas situações de crise que vivemos.
E como não poderia deixar de faltar, conquistamos muitos novos amigos. Novos, verdadeiramente novos e tantos outras antigas amizades que floresceram e ficaram ainda mais sólidas.
O que nós perdemos?
Muitos medos. De vez o medo de nos revelarmos, de nos abrirmos, de compartilharmos os nossos problemas e sofrimentos, que não é um exercício fácil, mas que quando se começa e logo se percebe como faz bem, não tem mais volta. Por outro lado, sentimos que perdemos e ainda não reconquistamos a espontaneidade do viver, como esse chamado repentino do Planeta Leucemia e os estados constantes de “atensão” que vivemos. Não há um momento em que não tentemos colocar disfarçadamente nossas mãos na testa ou pescoço da Bela para poder sentir sua temperatura. O Rodrigo aprendeu até a dizer a temperatura e erra por +/- 0,2° C...
Quando nós fomos mais felizes?
Quando nós fomos mais felizes?
A cada resultado de exame positivo que fomos tendo. Vivemos em dimensões do tempo diferentes. O dia-a-dia comparativo foi importante, mas os “milestones” dos exames de checagem eram importantes, com esperas agonizantes e sofridas. Quanto mais sofrido melhor? Quem não se recorda do resultado do exame que não foi bom e que esperamos mais uma semana para termos a resposta positiva? Mas foi um ano de comemorações curtas, pois era celebrar as conquistas, curtir a felicidade do momento, mas voltar para os estados de alerta, como bem escrevemos durante o ano “o preço da liberdade é a eterna vigilância”.
Especialmente não podemos deixar de registrar os momentos de felicidade do primeiro banho de piscina da Bela, a apresentação da Nana na escola e do seu balé, como também o dia de aula que tivemos com a Nana, cada um de nós, onde não pudemos deixar de ir ao futuro e imaginar esse dia com a Bela.
O que nos deixou tristes?
Aprendemos a “colaborar com o inevitável”, como dito muitas vezes no blog. Dizer que a leucemia da Bela nos deixou triste? Não adiantava ficar triste, tínhamos que arregaçar as mangas e lutar e não havia espaço para sentimentos de tristeza.
Do mesmo jeito em que não pudemos viver momentos de felicidade longos, não poderíamos deixar que momentos tristes durassem mais do que deveriam, mas alguns nos marcaram muito profundamente, como a família desesperada do menino João Roberto baleado por PMs na Tijuca, que foi transferido e faleceu no Copa D’Or, quando tivemos uma manhã intensa naquele dia no hospital. Nos deixou tristes podermos ter acesso e vermos a situação de miséria em que está a saúde pública no Brasil, quando fomos na área de hematologia pediátrica do Hospital da Lagoa, no Hospital do Servidores do Estado e até mesmo no INCA, que destoa positivamente dos outros e poderia ser considerado um local de excelência. A falta de recursos do HemoRio, mas com pessoas/servidores que se dedicam verdadeiramente de corpo e alma para tentar suprir as ausências materiais. Como já dissemos aqui, o Rodrigo passar quase todos os dias em frente à Cidade da Música, quando falta tanto do básico...
O que nós mudamos?
Hábitos? Muitos para não dizer quase todos. Readaptamos nossas vidas para a Bela. Mudamos a nossa vida, mudamos a nossa casa, tiramos móveis e criamos espaços para brincadeiras. Ainda sobre vida, mudamos a forma de valorizar a vida, em todos os seus pequenos detalhes.
Mudamos de emprego. Sim, a Bel do seu escritório para o emprego maior de ser mãe em tempo integral de uma filha que muito precisava de nós e da Mariana que tem desempenhado um papel não menos importante, exemplar em toda essa situação.
Se Deus quiser em 2009 nos mudamos para o novo aparamento...
Do que nos orgulhamos?
Da nossa Bela? Sem dúvida, pela força de vida, a alegria de viver, muitas vezes nos dando o “Hello!” na hora certa, que ela estava ali lutando por sua vida e nós, o meio para atingir os seus objetivos, não poderíamos deixar a peteca cair de jeito nenhum.
E a nossa Nana? Que orgulho. Desde as tímidas viagens com os dindos, babá e Vovó Cecília no Carnaval para Angra, pois a casa estava vazia, um local para onde não queria voltar. Como cresceu, como amadureceu, sem perder sua ternura, seu jeitinho meigo, seus olhinhos sorridentes e brilhantes, sempre com uma comentário atento e sagaz. Se foi coadjuvante da protagonista, foi a estrela principal em alegria, ânimo, força, risadas, sorrisinhos tímidos, aberturas de olho da Bela. Foi sem dúvida o seu maior energizante, sua melhor fisioterapeuta, sua melhor doutora alegria.
Qual o nosso maior erro?
Em alguns momentos ter questionado a fé, o porquê de tudo isso, se estava acontecendo, se era verdadeiro, real, se tinha que ser realmente com a gente. Seria um erro ainda conviver com pensamentos ruins e ter medo, ao invés de pensar no melhor em primeiro lugar? Talvez devêssemos ter perdoado algumas pessoas pelo caminho que tivemos, mas quem sabe se daqui um tempo a gente não perdoa...
Ah! Deveríamos ter tirado o dinheiro que estava na bolsa antes dela cair...
Vamos ficando por aqui, desejando a todos um 2009 com muitas alegrias, paz e saúde. Ah! a Bela está bem, não teve mais febre até então, ainda com coriza, espirros, litros de Rinossoro, alegre e falante, mas acusando o resfriado. Novos exames na sexta e quimioterápicos suspensos para dar um alívio para o seu organismo. Ainda não tivemos coragem de desfazer as malas que estão na sala... Fiquem com Deus e até o próximo post.