terça-feira, 16 de março de 2010

"A última milha"

Tivemos uma semana corrida com a Bela, cheia de emoções. Mais um exame de sangue na quinta, sufoco cada vez mais para permitir os tão chatos mosquitinhos (dessa vez ela se escondeu, e muito bem, dentro da nossa casa), resultados não tão bons como esperávamos: parte branca para cima e parte vermelha para baixo. Aumento das quimios não mais derrubam os leucócitos que tem que ficar controlados, mas acertam em cheio as hemáceas. Nossos parceiros de jogo desengonçados fazendo seus estragos e nós com a Bela no limite da anemia, tentando escapar de tudo quanto é jeito de mais uma transfusão de sangue. Uma coisa era transfundir durante 3 horas quando ela tinha dois anos. Agora, sem catéter e com 4 anos. Dá arrepios! Mais aumento da quimio, agora via intramuscular, pois chegamos no limite da dosagem oral. Exames de rotina na sexta e corre-se atrás da aplicação. Tempos que gostaríamos de evitar, de esquecer, mas de volta ao hospital, da rotina do avisa antes, manipula, dá entrada com o plano, aguarda chegada da quimio, sobe para o day-clinic. Pelo menos dessa vez é apenas uma aplicação instramuscular. Apenas? Gostaríamos tanto que fosse em nós, mas mesmo que seja um pequeno mosquitinho no bumbum é outro parto grego. Muito choro, olhar raivoso de como podem estar fazendo mais isso com ela. Mas é a vida. É a vida que podemos ter no momento. Um dia de cada vez.

Falando sobre isso com o nosso amigo, blogueiro sempre presente, Roberto Cooper na última sexta (ele não sabia da anemia, nem nós que estava preocupando os médicos da Bela), recebemos um lindo email dele, que tomamos a liberdade de postar aqui, que retrata muito bem o sentimento nessa reta final.

Assim se intitula: "The last mile"

“A última milha é, sempre, a mais longa. Seja em uma maratona (metáfora que eu usei lá atrás), seja numa gravidez, seja na espera da bagagem depois de um longo vôo internacional. É um momento que não deveria existir. Simples assim. Mas existe e é muito sofrido porque é um momento mais solitário. Quando estamos tão pertos da chegada, a torcida não é mais para nós e sim para quem corre o risco de desistir. Nós já somos considerados “chegados”, sem termos cruzado a faixa. À solidão, soma-se o cansaço acumulado e a impaciência de que o que quer que seja acabe logo. Solidão, cansaço e impaciência. Para complicar, a pressão social é de celebração, quando ainda não temos motivos definitivos para celebrarmos. Assim, temos que guardar no fundo do coração esses sentimentos que, se compartilhados, causariam espanto. Você já chegou até aqui, falta tão pouco... não diga bobagem, não vai me dizer que vai desistir agora?! Não temos a mesma acolhida que tínhamos quando o que quer que seja se iniciou. Do meu tempo de pediatra, me lembro bem como sentimentos humanos, normais, tinham que ficar guardados porque não seriam entendidos. Exceto por quem já os tinha vivenciado e os expunha com coragem. Que pai ou mãe nos contou que o choro do filho, em determinadas horas, era algo que produzia uma irritação irracional? O discurso é outro- filho é 100% maravilha. Mentira pura, mas nunca revelada. Ou melhor, filho é 100% maravilha, mas também é menos maravilha.

Voltando ao last mile- vocês estão exatamente nesse ponto onde já se enxerga a chegada, mas não chegaram. Agora sim é que vale o exercício de paciência e criatividade. Vale recortar a última milha em trechos menores. Vale não olhar para a chegada e sim para o trecho menor de 20 metros. Depois o próximo e assim sucessivamente.

Quanto à Bela, não caiam na armadilha de achar que o que ela diz vale para a vida. Raiva, ódio, faniquitos, se esconder, tudo que ela disser ou fizer é a expressão do sentimento instantâneo dela. A função de vocês é não “ter pena”. Na medida em que “pena” significa algo que é muito pior para ela. Exemplos práticos- injeção- uma explicação e depois segura mesmo. Nada de 5 explicações, nem de aceitar um “espera, daqui a pouco”. Tudo que puder ser mais rápido, melhor. O que vai ficar na memória dela é zero ou perto de zero e na emoção vão ficar todos os momentos de carinho e dedicação que tiveram. Não temam o olhar furioso de hoje, ele é a expressão do que a Bela pode depreender. Hoje, ela não entende como vocês permitem que alguém dê uma injeção nela. Amanhã, não vai lembrar disso e sim de como vocês foram dedicados e amorosos.

Vocês são pais maravilhosos. Não duvidem disso, nem um segundo. Como não devem duvidar de que não são perfeitos. Vão errar várias vezes, e suas filhotas vão ter que conviver com esses erros. Aceitar isso é uma maravilha porque retira a culpa que é, sempre, paralisante e introduz o aprendizado que é libertador.

O resumo disso tudo é que tenham paciência, humildade e criatividade. Sempre sentindo que são maravilhosos e não se deixando abater pelas acusações explícitas, veladas ou supostas da Bela. Também gostaria que soubessem que não estão sós. Ainda contam com uma grande torcida, na qual me incluo. Saibam que podem contar comigo para o que for. Até uma conversa sobre as coisas doidas que passam pela cabeça de seres humanos normais.

Um nota menos otimista- essa coisa de educar é para sempre. Agora me vejo envolvido em educar uma filha maravilhosa de 21 anos. Como falar de profissão, futuro, romances, casamento, com uma pessoa que vai fazer suas opções e onde minha interferência direta é pequena? Não é mole! Portanto, esse last mile é fake! Se preparem!!!
Beijo carinhoso, Cooper"

segunda-feira, 8 de março de 2010

Bela, 4 anos

Dia 8 de março de 2010. Dia Internacional da Mulher. Dia do quarto aniversário da Bela. Agradecemos a Deus, aos médicos, à família e a todos os amigos que fizeram uma corrente do bem em torno da Bela, permitindo que pudéssemos comemorar seus aninhos de vida, muito bem vividos, principalmente esse último.

Amanhã tem festinha com os amiguinhos na escola e bolinho com a pequena família na nossa casa. Pensamos em fazer uma missa para celebrarmos o final do tratamento, assim que soubermos mais precisamente quando terminará.

Obrigado por estarem sempre por perto.

Com carinho, Bel, Rodrigo, Nana e Bela Capistrano