sábado, 9 de maio de 2015

Acabou!


Voltemos a 2010, domingo, dia 9 de maio, provavelmente já madrugada da segunda, dia 10. Tinha sido o domingo do Dia das Mães e talvez um dos Dias das Mães mais marcantes para a super mãe que a nossa filha tinha tido até ali. Mãe mãe, mãe executiva, mãe enfermeira, mãe animadora, mãe médica, mãe fortaleza, mãe que sofria, mãe que fazia sorrir, mãe que chorava, mãe que fazia gargalhar, mãe que conduziu por quase dois anos e meio o momento mais difícil das nossas vidas.

Naquele dia, na noite quase madrugada, pela septuagésima e não nos lembramos quantas semanas, que acabaram virando oitenta e poucas semanas da fase de manutenção, atrasos, nossos velhos conhecidos atrasos, causados por um sem número de intercorrências que nos assombraram até os últimos dias de tratamento, acontecia o momento mais desejado daquela época.

Como em todos os dias das oitenta e poucas semanas, espera do tempo mínimo de duas horas após a última refeição, um estômago descansado recebia um coquetel de quimioterápicos orais, que eram cirurgicamente misturados pela mãe enfermeira zelosa. Mas aquele dia era diferente. Não porque fosse Dia das Mães, mas porque era o último dia do tratamento, o último dia de químio, o encerramento de um ciclo, o início de uma nova vida. Os remédios todos juntos e misturados em uma seringa, que era sorvida no sono mais profundo, foram dados naquela noite de forma mais lenta, com lágrimas nos olhos, com muita emoção e agradecimento.

Terminava ali o turno da mãe enfermeira, mas talvez mal sabia que não era uma troca de turno, mas uma mudança de função. A função de administrar os coquetéis terminava ali, mas começava a função de acompanhamento, de consultas e exames periódicos, de visitas a médicos de todas as funções vitais, para ver como um corpinho que tinha apanhado dos bons mas desajeitados parceiros quimioterápicos por dois anos e meio poderia ser soerguido. Começava ali baterias de testes para ver o que era preciso fazer para recuperar o que fosse possível recuperar, estabilizar o que poderia ser estabilizado ou acompanhar o que não poderia ser alterado naquele momento. Tempo de começar uma caderneta de vacinação em branco, do zero, a reforçar músculos que se atrofiaram e principalmente voltar ao convívio social e a tão sonhada escola para valer.

Terminava ali um longo ciclo e começava naquele mesmo dia 9 de maio de 2010 uma nova e longa caminhada após a maratona, uma caminhada que estava pré-determinada para ser de 5 anos. Cinco anos, 60 meses, 260 semanas, uma eternidade, mas talvez não tão longo para quem aprendeu forçosamente a viver um dia de cada vez, a colaborar com o inevitável, que o preço da liberdade sempre fora a eterna vigilância e tantas outras lições mais que aquela vida nos ensinou e... um dia, esse dia chegou. É hoje!!! Chegou o dia 9 de maio de 2015, o tão sonhado Protocolarmente Curada. A cura, o significado de voltar para as estatísticas normais de uma criança de sua idade, para as curvas normais, para o padrão, para estar nos mesmos risco e probabilidades de crianças de sua idade.

O término de um longo processo de cura de uma criança que tinha um ano e dez meses e hoje tem 9 anos, uma paciente (e que paciente, que tantas lições nos deu!) que tinha no enredo de toda a história uma mãe, um pai que aqui escreve,e muito mais gente do nosso lado, nos possibilitando fazer tão longa travessia. Tinha uma irmã-doutora-alegria-única-amiga-para-brincar-para-todas-as-horas, amiguinhos, os poucos que podiam visitar nas épocas com um pouco mais de imunidade e que já sabiam do ritual do tira sapatos, lava a mão e passa “alquinho”, os novos da escola que foi um pouco atrasada e depois aos pouquinhos sendo frequentada, mas que enviavam desenhos e pinturas, avós e avôs maravilhosos, tios, tias, dindo e dinda mais do que queridos, primas amorosas, amigos com A maiúsculo, amigos com M de médico, com E de Enfermeiros e tantos outros parentes presentes e aqueles amigos que fomos conhecendo durante a longa jornada que de alguma forma conseguiam se manifestar, se fazendo presentes, da forma que podiam, da forma que sabiam, da forma que até mesmo não sabiam que sabiam, com força, com fé, com palavras, com recados, com mimos, com colo e principalmente com alma e coração. Certamente tinha a medicina, os médicos, as enfermeiras e os hospitais.

Fechamos um ciclo. Nada mudou de ontem para hoje nas nossas vidas, mas hoje é diferente, é um dia especial! Chegamos ao ponto final do ônibus errado que tomamos. Pousamos a nave espacial que orbitou por muitos anos em um planeta distante chamado Leucemia, frio, só, triste, realmente distante. Terminamos infindáveis partidas de duplas de tênis com os nossos amigos quimioterápicos, estabanados, jogando do nosso lado e nos acertando algumas boladas, mas eram do nosso time! Encerramos um longo protocolo médico, punk para uma doença mais punk ainda. Fim, término, chegada, encerramento, mas o mais importante, abrimos um novo ciclo. 

Ciclo de uma nova vida. Uma nova vida, livre de fantasmas, mas que não desaparecem da noite para o dia. Um livro que termina, mas que sabemos que ainda ficará por perto e voltaremos a ler algumas páginas. Lembrar sempre para poder esquecer. Uma nova vida que não vai fazer com que abandonemos uma causa que mal conhecíamos e hoje faz parte da nossa vida, o ajudar o próximo, o poder ajudar quem precisa, as causas infantis, as crianças, as crianças doentes e principalmente as crianças que tem câncer.  Difícil acreditar que um dia diríamos 'oba que bom que entramos nesse mundo' e passamos a conhecê-lo e poder ajudar mais quem tanto precisa. Um mundo que nos fez nos tornarmos pessoas melhores, acho. Um mundo que nos uniu mais, que talvez nos tenha feito nos tornarmos melhores pais, melhor marido, melhor mulher, e quem sabe melhores amigos, também acho.

Nesse dia de hoje, gostaríamos de dizer a todos vocês que estiveram conosco o nosso MUITO OBRIGADO do fundo do nosso coração.  Temos a certeza que não seria possível chegar até aqui sem todos os que estiveram conosco nessa jornada de 7 anos e um pouco mais de 3 meses.

Nesse dia de hoje, véspera de mais um Dia das Mães, agradeço especialmente a uma pessoa que foi tudo em todo esse tempo não muito divertido. MUITO OBRIGADO Bel! Eu te amo mais do que tudo. Já disse e repito que faria tudo isso de novo, que queria essa mesma vida que tivemos, mesmo sabendo que passaria por tudo o que passamos juntos de novo, as mesmas alegrias mas também as mesmas dificuldades. Se me perguntassem isso, ouviriam meu mas sonoro sim, mas teria uma única condição: contanto que fosse com você.

Feliz Dia das Mães antecipado. Feliz Dia das Mães para todas a mães amigas. Feliz Dia das Mães para todas as mães dos nossos amigos. Obrigado por vocês fazerem todos eles existirem.

Com todo o meu carinho,

Rodrigo

ps: Desculpem qualquer erro no texto. Não sou escritor e perdi a prática com o passar de tanto tempo sem escrever.