Religiosamente há 252 dias paramos no final do dia, um dos dois pelo menos, para começar a "fazer" o blog, como chamamos. Se arriscarmos estimar que em média levamos pelo menos 1 hora entre escrever, revisar, o outro reler e buscar uma foto que se adeque ao texto, já vivemos escrevendo, divagando no computador, exopilando os nossos sentimentos nas teclas, por mais de 10 dias. Não tivemos esse tempo para fazer exercícios, algum tipo de relaxamento ou uma preciosa horinha extra de sono, que muitas vezes tem um valor infinitamente maior do que 60 minutos. Mas tivemos esse tempo para falar da nossa dor, do nosso sofrimento, das nossas angústias, dos nossos medos e vocês todos nos suportaram, quer seja pelos comentários aqui postados, como telefonemas, emails e torpedos carinhosos que nos enviaram. Nunca deixaram que caíssemos.
Certos dias o Rodrigo estava sem inspiração, outros a Bel, algumas vezes os dois. Várias vezes houve o "bica você que depois eu começo", "me conta o que aconteceu que eu começo", mas nunca pensamos em não escrever. Meios de semana em que o Rodrigo trabalha, a Bel assume os teclados, nos tempos em que o Papai está em casa, o Rodrigo começa, sem podermos nos esquecer das alternâncias dos dias internados, com o laptop no colo, no quarto quase escuro, depois que a Bela dormia, com um telefonema para o outro, falando baixinho: "Abre aí o que eu escrevi, me liga depois".
Independentemente da localização geográfica e do estado de espírito em que escrevemos, nos faz um bem danado ir registrando cada dia da Bela, principalmente por saber que alimentamos uma corrente do bem, positiva o tempo inteiro, das orações às dicas de remédios, das ajudas com pessoas próximas à sugestões para aliviar as picadas que a Bela irá começar a tomar a partir de amanhã. Nos faz bem saber que muitos de vocês querem o bem da nossa caçula, querem o bem da nossa família e estão aqui, sofrendo por uma causa triste, uma doença de uma menininha linda que tinha menos de 2 anos, que não é sua, quando muitas vezes a nossa reação mais cômoda é de fuga, o famoso "esse problema não é meu". Aprendemos com vocês que é importante estar próximo, se interessar, apoiar, uma simples palavra que seja, mas o "me interesso por você" é tudo para nós, principalmente quando descobrimos uma legião de pessoas "que se interessam por nós". Não existe melhor suporte.
Escrevemos para vocês, escrevemos para a Bela e Nana, que poderão um dia ler tudo isso e aprenderem a serem pessoas ainda melhores do que aquelas que queremos e arduamente tentamos educá-las para que sejam. Escrevemos para nós também, pois não podem imaginar como as funções vasculares se alteram, os neurônios, o coração e a alma se fundem, disparando energicamente emoções para os dedos transformarem tudo em um texto, pelo menos compreensível. Nos esforçamos.
Escrevemos também para os médicos, para a frieza do protocolo do tratamento, o diário de bordo, para deixar registrado o que aconteceu, mas não mais a planilha colorida com Data, Dia da Semana, Exame, Estado Geral, Hemograma, QT e Transfusão detalhados em linhas, em uma planilha que já estaria quase estourando o campo de colunas do Excel. Muitas vezes temos que fazer "pesquisas arqueológicas" sobre eventuais medicações, estados clínicos ou exames da Bela e o campo "Pesquisar Blog" nos traz de volta ao passado e reencontramos os nossos textos, parecendo que foi realmente ontem que escrevemos, muitas vezes nos lembrando exatamente como seu deu aquele dia, bom ou ruim, triste ou feliz, mas já se deu.
Como curiosidade, a questão das reações da supra-renal da Bela que trava pela reação às doses cavalares de corticóides que toma, está virando caso de estudo para os hematologistas que nos cercam. Perguntaram se teríamos o histórico todo, imediatamente dissemos que sim, "mas um pouco romanceado". Riram, não entenderam. Não lhes demos o endereço do blog, mas fizemos diversos "copiar e colar" para um texto em Word. Agora entenderam.
O tratamento continua, esperamos que agora entrando em uma fase mais suave, talvez com menos emoções (esperamos muito!). Tenham certeza de que sempre teremos um motivo para escrevermos pois há ainda muito chão pela frente, nem que seja para deixar registrado o post curto recorde do último final de semana. Esse livro um dia acabará, e com final de contos de fadas, onde todos vivem felizes para sempre. Como o final de todos os livro "lidos", ou melhor, inventados pela Bela: "E viveram felizes pala sempre!". Será uma nova fase, linda, quando certamente voltaremos a ter todos aqueles problemas que cotidianamente nos cercam, e que incrivelmente conseguem nos fazer infelizes. O difícil é não desaprendermos jamais a evitarmos essas infelicidades de plantão, oportunistas, mas que as lembranças do que aqui vivemos mantidas fortes nos farão sempre pensar se devemos permitir essas invasões e deixarmos elas entrarem. Esperamos que tenhamos forte conosco o hábito de buscarmos sempre a felicidade, para si, que seja o bem para os outros, para os que estão do nosso lado, para aqueles que sequer imaginávamos que poderiam estar tão próximos. Tenham certeza mais uma vez: nós recebemos esse bem e tem sido fundamental para seguirmos no nosso dia-a-dia.
Era para falarmos de Bela e acabou que falamos de nós, todos nós, desculpem-nos. A Bela segue cada dia mais alegre, feliz, falante, aproveitando a separação relâmpago do seu cateter, que se foi, quase sem dizer adeus. Nós aproveitando as férias do Rodrigo para tentarmos recuperar algum tempo perdido da nossa obra, nos ocupando com problemas diferentes, que não nos fazem menos felizes. Amanhã contamos mais da Bela, da "picadinha" que a Tia Dagmar vai lhe dar, com Emla ou sem Emla?, do dia de visita dos Dindos e priminhas, pois hoje já tomamos o seu tempo demais. Fiquem em paz, semeando o Bem. Fiquem com Deus e até amanhã.
PS Anna Cláudia: Gostaríamos da sua autorização para enviarmos um email para o Copa D'Or, para a Ouvidora com quem temos um canal aberto há meses, sempre com críticas construtivas e elogios para os que merecem, e deixarmos a equipe saber que o trabalho pode ser feito de várias formas, mas diferente como a Paula soube fazer. Podemos? Muito obrigado pelo seu emocionante depoimento, também lavou a nossa alma.